domingo, 27 de abril de 2014

Vovó Nita

Vovó Nita


Em minha pequena cidade vivia uma senhora de oitenta anos chamada Anita, mas, todos a conheciam por - Vovó Nita.
Sua figura, de presença forte, que nunca passava despercebida, despertava minha curiosidade. Era dona de um porte soberbo, mas ao mesmo tempo transpirava ternura, e essa dualidade me intrigava. Era um misto de força e ao mesmo tempo de amor.
Sempre que podia gostava de parar frente à varanda do casarão onde ela morava para um dedo de prosa. Eu amava estes momentos. Vovó Nita sempre tinha alguma coisa a me ensinar através de suas sábias palavras.
Apesar da idade avançada fazia questão de morar na casa onde havia habitado quase que a vida toda. Não aceitava sair dali para morara com nenhum de seus filhos.
Era uma espécie de matriarca, pois havia criado seus dez filhos, praticamente sozinha. Seu marido falecera quando seu caçula era ainda um bebê.
Um dia ao acordar encontrara o esposo inerte ao seu lado. Deve ter acontecido durante o sono, pois não percebeu nada de diferente. Não se conformava, pois, acreditem, despertava ao simples espirro ou resmungo de alguma das crianças.
A jovem senhora, que até aquele momento havia levado uma vida de rainha, sempre fora rodeada de empregadas e damas de companhia, se viu de um momento para o outro sem o chão debaixo de seus pés.
Num átimo teve de se transformar em mãe e pai para seus filhos.
Sem nunca ter se preocupado de onde vinha o dinheiro que sustentava a casa e todos seus luxos, teve de tomar consciência do fato e rapidamente se transformar em dirigente de todos os negócios da família.
No início um irmão de seu falecido esposo se prontificou a colocá-la a par de como deveria agir no gerenciamento do armazém e da fábrica de biscoitos.
Desta forma dona Anita que sempre teve fartura e conforto, teve de se transformar em homem da casa.
As pessoas que a conheceram nesta fase conturbada de sua vida, dizem, que ela chegava a carregar sacos de 60 quilos nas costas, para as carroças e caminhões de fazendeiros que compravam mantimentos em seu armazém.
Apesar de sua beleza, e de muitos cortejadores, não se interessou por nenhum deles, continuou viúva cuidando de sua família e dos empreendimentos deixados pelo marido.
Tornou-se uma mulher firme e decidida, conseguiu gerenciar muito bem os todos os negócios.
O armazém com o passar dos anos transformou-se em uma rede de supermercados.
A fábrica hoje é uma grande indústria de bolachas, doces, pães, biscoitos e balas.
Quem gerencia os negócios atualmente são seus filhos, e netos, mas sempre sob a sua supervisão. Não largou totalmente o domínio de seu império.
Mas o que eu mais amo é ver todas as tardes esta fantástica senhora se embalando calmamente em sua cadeira de vime.
Com os olhos fixos no horizonte deixa-se inundar pela beleza de mais um por do sol que aos poucos se deita, cobrindo o céu com todas as cores do arco-íris. Aos poucos o manto da noite começa a cobrir toda a paisagem, dando início a aparição de miríades de lantejoulas que enfeitam o tapete por onde a princesa Lua irá caminhar até o raiar de um novo dia.
O que guardo comigo, como se fosse a imagem de uma velha foto, é a figura de uma rainha cansada, sentada em seu trono a espera de um ocaso que parece se aproximar aos poucos em sua vida.
Vovó Nita, sentada em sua varanda tendo ao fundo as cores vibrantes do por do sol, trazem até mim as mesmas emoções que sinto quando me coloco frente a um quadro de Vincent Van Gogh.
De vovó emanam fortes energias e vibrações tão fortes, que a transformo em minha mente, em mais uma nova obra do famoso mestre, que colocou em suas telas não só as cores vibrantes, mas também sua alma, e seu coração.
É assim que me recordo de Vovó Nita: Uma obra de arte pintada por Van Gogh que consigo apreciar apenas ao fechar dos olhos.
Ela faz parte de minhas memórias.


Maria (Nilza) de Campos Lepre. 25/04/2014

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