sexta-feira, 19 de julho de 2013

Meu amigo “Preto Velho”. Nova crônica



                                     
               Por - Maria (Nilza) de Campos Lepre .

Papai resolveu mudar com a família para a fazenda, adorei a ideia, pois amava a vida no campo.  Sentia muito prazer ao caminhar em meio às árvores, e os animais. O que mais apreciava era correr pelo pasto, e pelas plantações com o vento fustigando a minha face, e cabelos. Sempre era acompanhada nestes folguedos pelos meus irmãos menores e pelas filhas, e filhos dos colonos.
Assim que nos mudamos, um velhinho de pele bem escura, pediu para voltar a morar numa casinha, de barro, coberta com sapê, que ficava distante da colônia. Papai concordou, já sabendo que ele não poderia trabalhar, pois estava muito cansado pelo passar dos anos. Cedeu um pedaço de terreno ao redor da casa, para que ali pudesse ter sua horta, criar algumas galinhas e plantar o que desejasse. Dando chance de terminar seus dias com dignidade.
Todos da colônia o respeitavam, ou melhor, tinham medo dele. Chamam-no de bruxo. Quase ninguém se aproximava para um dedo de prosa. Eu sentia muita pena, e por vezes, parava para escutar o que tinha a dizer.
Quando nos reuníamos frente às fogueiras que eram feitas nas noites de lua cheia, no terreiro onde se secava o café, muitas histórias eram contadas sobre ele. Tinham medo de ofendê-lo, pois quando isso acontecia, ele colocava uma mandinga na pessoa, que morria ou ficava doente logo em seguida.
Contavam que certa vez um fazendeiro discutiu com ele por causa de um serviço, e não quis fazer o pagamento. Diziam que ele ao partir rogou pragas e disse que ele perderia tudo o que possuía e ficaria na miséria. Outros diziam que antes de sair fez um despacho, e que enterrou uma cabeça de boi no mourão da porteira da entrada principal da fazenda.
Nunca acreditei nestas histórias, mas o fato é que o fazendeiro acabou perdendo tudo o que possuía inclusive a fazenda, pois ela atualmente é de meu pai, que como eu também não acreditava nas histórias contadas pelo povo. Achava tudo uma lenda, uma crendice popular. Dizia que a língua consegue ferir mais do que uma faca, ou punhal afiado.
A figura deste senhorzinho me fascinava, tinha a cabeça totalmente branca, e seus cabelos eram encarapinhados, parecia que nunca tinham sido penteados. A alvura deles contrastava com a cor escura de sua pele. Todas as tardes sentava frente a pequena casa, e ficava a espera de um papinho, mas geralmente isso não acontecia. Algumas vezes levantava-se, e caminhava pela estrada com grande dificuldade. Usava um pedaço de galho que havia entalhado, e o transformado em uma bengala, ou melhor, um cajado.
De longe eu ficava observando. Parecia sentir muitas dores, pois ora ou outra, parava e colocava a mão livre nas costas arcadas.
Depois de muito pensar resolvi dar uma parada todas as tardes para conversar com ele. Só então fiquei sabendo seu nome, Sebastião. Mamãe não gostou muito desta aproximação, mas eu rebatia: - que mal pode haver em apenas trocar algumas palavras com o pobre velho?
Assim continuei, dando atenção a ele. Ao voltar da cidade, ao final de mais um dia escolar. Meus irmãos seguiam para casa, mas eu ficava ali, escutando as histórias que ele tinha a contar. Dizia que havia nascido na época da escravidão, e se lembrava de muita coisa. Contava tudo com muitos detalhes, como se ainda estivesse vivendo naquele tempo.
Através de suas histórias tomei conhecimento do quanto os negros haviam sofrido nas mãos dos feitores, e dos donos de fazendas. Seus contos me fascinavam, talvez por esse motivo gostasse tanto dele. Falava de passagens vividas por seus pais e avós, dizia que era muito pequeno na época da abolição. Continuei sendo a única pessoa a lhe dar um pouco de atenção e carinho. Sem saber, ele estava ajudando a formar minha personalidade e meu caráter.
A casa onde morava só possuía dois cômodos, uma sala que ao mesmo tempo era cozinha, e um quarto. O banheiro era uma fossa nos fundos do quintal. O chão era de terra batida não havia móveis, apenas duas cadeiras e uma mesa, num canto um fogão a lenha. Isso é o que dava pra ver do lado de fora, nunca cheguei a entrar nela.
Mesmo na pobreza, dizia que era a pessoa mais feliz do mundo, pois tinha encontrado uma alma boa, que permitiu que terminasse seus dias ali. Se isso não tivesse acontecido, teria de dormir ao relento, pois, não possuía nada de seu, nem mesmo um parente vivo que pudesse lhe ajudar.
Mamãe apesar de temer o velhinho, levava sempre suprimentos para ele, inclusive roupas cobertores e outras coisas mais. Eu aprendera a amá-lo. As nossas conversas ao final das tardes eram esperadas com ansiedade.
Um dia ao regressar não o encontrei a minha espera, fiquei preocupada e pedi a papai que desse um pulo até lá para ver o que estava acontecendo. Da área de casa percebi um entra e sai na casa de seu Sebastião, e resolvi descer para verificar o que estava acontecendo.
Papai encontrara o velhinho morto, deitado em seu leito. Não me deixaram vê-lo, pois estavam o trocando, para ser velado em seguida. Subi a estrada chorando copiosamente, acabava de partir um de meus melhores amigos. Acredito que só eu realmente sentiria falta dele para sempre. O velório foi feito como todos na fazenda. Regado a muita comida, muita pinga, e muitos causos contados por todos. E sobre seu Sebastião história é o que não faltava.
Na manhã seguinte me chamaram para que encomendasse a alma do velhinho, pois eu era a pessoa mais próxima dele. Por entre lágrimas li o trecho da Bíblia que colocaram em minhas mãos. Mas querem saber, nada do que li ficou gravado em minha memória só as ultimam palavras que disse ficaram:
- Adeus meu amigo, que Deus o receba de braços abertos, pois você merece, por tudo que passou neste mundo. Leve meu amor com você.

                    A autora: Maria (Nilza) de Campos Lepre