domingo, 27 de abril de 2014

Amigos ribeirinhos.

Amigos ribeirinhos.

Em minhas andanças de pesca pelo pantanal de Mato Grosso do Sul, conheci uma família muito peculiar.
Eram migrantes nordestinos que se fixaram ali há muitos anos. Acabaram assimilando os costumes das pessoas da região.
A casa onde moravam era construída sobre palafitas, na riba mais alta do rio Miranda, naquela região.
Na frente havia um pequeno salão com um grande freezer, onde armazenavam os peixes que seus filhos pescavam. Alugavam espaço nele para que outros pescadores vizinhos também pudessem conservar os seus peixes, que ficavam ali a espera dos caminhões frigoríficos que vinham de São Paulo todo final de semana. Só então vendiam o seu produto.
Dona Amália, era a cabeça da família. Era ela quem negociava o valor dos pescados e sempre conseguia um bom preço por eles.
Amália era uma senhora de estatura mediana, meio roliça, mas muito ativa. Trazia os longos cabelos que começavam a ficarem grisalhos, presos na nuca numa forma de coque. Pertencia a uma igreja evangélica e dividia tudo que ganhava como dizimo com seu Pastor. 
Não me recordo de vê-la parada, estava sempre frente a algum afazer. Mãe de muitos filhos e ainda procriando, apesar de já ter alguns netos, e o seu caçula ter apenas três anos de idade. Ela cuidava da casa, dos filhos, da tralha de pesca, e ainda cozinhava para que não faltasse sustento a sua família – como dizia ela.
Na parte da tarde aproveitava para salgar alguns peixes para estocar na despensa para a época da piracema, quando a pesca é proibida.
Era ela também quem no final de um dia de pesca, limpava os peixes e os pesava antes deles irem para o congelador. Embalava-os e colocava o nome de quem havia pescado. Contava apenas com a ajuda de uma filha, os homens só se dedicavam a pesca, o resto era com as duas.
Eu sempre achei aquela situação desumana, mas, não podia me intrometer na vida deles, principalmente porque nesta região as desavenças costumavam ser resolvidas - no tiro, na bala como eles diziam.
Em contrapartida, seu esposo, estava sempre deitado em uma rede que ficava na área dos fundos da casa, que dava vistas para o rio. Dizia ele que ficava a inspecionar a saída e a chegada dos barcos de seus filhos. Não tinha aparência de doente, pelo contrario, irradiava saúde por todos os poros. Entretanto a família toda o tratava como um inválido, até hoje não consigo entender o porquê da atitude deles. Mas, convenhamos, nunca tive a coragem de perguntar nada somente fiquei na observação.
Seu Gesu, como era chamado por todos, trazia sempre na mão uma espécie de chicote feito com cordas desfiadas e amarradas numa das pontas para servirem de cabo. Passava o dia matando ou espantando mosquitos e pernilongos que se atreviam a chegar perto dele com esse apetrecho. Os dias passavam e ele continuava se embalando e admirando as águas do rio Miranda passarem por debaixo dele.
Durante todos os anos em que freqüentei aquela região, jamais o vi sair da rede a não ser para comer, ir à igreja ou dormir. Mas, era um observador atento do comportamento do rio, e das nuvens, quando dizia para não irmos muito longe o obedecíamos, pois sempre sabia qual seria o comportamento das águas ou do céu. Quando dizia que ia chover ou ia ter temporais, sempre acertava.
Não sei por que, mas das ultimas vezes que estive por aquela região, não mais os encontrei, haviam se mudado para a cidade de Corumbá, onde uma de suas filhas morava desde que se casara.
Às vezes encontrava com algum de seus filhos na cidade de Miranda, mas nunca mais me encontrei com o casal.
Guardei comigo em minhas lembranças a forma tão peculiar de vida daquela família, tão simples, tão diferente do meu modo de vida, mas, sem duvida nenhuma muito unida e feliz.
Dentro das regras que estabeleceram, eram as pessoas mais felizes com as quais tive o ensejo de conviver.
Hoje acredito que não importa a forma que vivemos, mas sim como aceitamos as regras que estão a nossa disposição.
Já notaram que nunca estamos satisfeitos? Que estamos sempre buscando a satisfação e o prazer onde na maior parte das vezes não conseguiremos alcançar?
A felicidade não esta onde procuramos, ela já se encontra aqui a nosso lado, nós é que somos cegos e não conseguimos agarrá-la.
Saudades desta época de minha vida, mas sei que já passou. Agora estou vivendo novos momentos, que também são muito importantes para mim.


Maria (Nilza) de Campos Lepre – 27/04/2014

Um comentário:

  1. Como é bom visitar nossas memórias...
    Beijão, Nilza!
    Em divina amizade.
    Sonia Guzzi

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