Estamos nos aproximando da época mais festiva do ano
cristão, o nascimento de Cristo, mas, infelizmente este ano, papai esta com
sérios problemas financeiros.
Tudo que plantou e colheu durante este ano, em sua
fazenda, não conseguiu vender pelos valores merecidos, e, por isso, o prejuízo
foi imenso, até o café este ano teve uma queda assustara na sua cotação do
mercado.
Mamãe, com toda calma, tentou explicar para nós
crianças, que este ano, os brinquedos seriam substituídos pela compra de
roupas, pois a situação não estava boa para gastos supérfluos.
Eu como a mais velha dos filhos, compreendi
imediatamente, a seriedade da situação que eles estavam vivenciando.
Acredito que os mais novos, não entenderam nada do
que ela falou, só queriam saber dos presentes que iriam receber do Papai
Noel.
Eu nesta época já havia completado dez anos de idade,
mas, sempre me mantive atenta a tudo que se passava ao meu redor,
principalmente sobre assuntos da família.
Já faz algum tempo que percebera a imensa tristeza
que papai trazia estampada em seu rosto.
Costumava, nos fins de semana quando vinha para a
cidade, ficar por horas, e horas, sentado em sua escrivaninha, fazendo contas,
e, muitas vezes o peguei com a cabeça entre as mãos, e, com o olhar triste e
perdido no espaço.
Mamãe sempre tentava animá-lo com frases de
conforto, mas, eu notava a grande aflição que ele carregava dentro de si. Na
presença dos filhos, procurava se comportar como sempre fizera.
A minha maior preocupação era com minha irmãzinha
caçula, pois, só tinha três aninhos, e, não entenderia o porquê de não receber
um belo brinquedo do seu querido Papai Noel.
Os outros já eram mais crescidos e já tiveram o
prazer de belos e fartos Natais, regados de alegria e muitos presentes, mas,
ela pobrezinha, só agora começava a entender realmente o significado desta
festa.
Quanto mais pensava a respeito, mais meu coração se
apertava, tinha que de alguma forma resolver esta situação.
Num estalo achei como conseguir dinheiro para
garantir o natal da pequenina.
Todos os fins de semana, papai apesar dos problemas,
nos dava uma pequena mesada, era o suficiente para irmos assistir a matinê do
cinema, e, comprar um pacote de balas.
Morava conosco uma tia, irmã mais nova de minha mãe.
Ela trabalhava de vendedora, na sessão de brinquedos, de um grande magazine de
nossa cidade.
Conversei com ela e fiquei sabendo que por ser
funcionária da loja, conseguiria comprar brinquedos com um grande abatimento
nos preços.
Minha cabecinha começou a criar varias estratégias
de como resolver esta situação, sem que meus pais percebessem o que eu estava
fazendo.
Passei a visitar minha tia enquanto ela estava
trabalhando, pois, só assim poderia verificar os preços dos brinquedos e ver
quais os mais baratinhos.
Para minha sorte, as fábricas haviam acabado de
lançar no mercado, produtos feitos de plástico que seriam vendidos em forma de
unidade. Consegui achar cadeiras, mesas, fogões estantes, camas e outras coisas
mais, com as quais poderia montar uma casinha de bonecas para minha irmãzinha.
Depois de saber o quanto iria custar, passei a parte
mais difícil, a de conseguir a verba. Teria que ser muito criativa, pois meus
pais não poderiam desconfiar do que eu esta tramando.
A partir deste dia, todo o domingo, ao chegarmos ao
cinema, comprava os ingressos, e um o pacote de balas para meus irmãozinhos,
que eram bem mais novos que eu; esperava que entrassem no cinema, juntamente
com seus coleguinhas, e eu ficava do lado de fora esperando até que a sessão
acabasse.
Eles não perceberam o que eu estava fazendo, porque
costumavam se sentar na primeira fileira de cadeiras, e, eu sempre ficava mais
no fundo em companhia de minhas amigas. Quando saiam, eu já os estava esperando
para voltarmos para casa.
Não via a hora de terminar o domingo, pois, na
segunda feira iria fazer uma nova visita a minha tia, só que desta vez,
começaria a compra das pequenas peças. Ela acabou se tornando cúmplice neste
meu projeto, era ela que me ajudava na escolha das peças mais baratas. Depois
ia até o caixa e comprava em seu nome.
Durante varias semanas, assim agi, até os dias que
antecederam o Natal. Só ai, pedi permissão a uma prima, que morava perto de
nós, e, consegui montar em sua casa, usando caixas de sapatos, três cômodos de
uma casa, um era a cozinha, outro o quarto e o terceiro a sala de jantar.
Sempre tive grande habilidade com as mãos, e, usando
uma tesoura, um pouco de cola, folhas de papeis coloridos, e muita imaginação, eu
consegui construir os cenários, onde iria colocar as peças compradas.
Agradeci minha prima e minha tia, que acabaram me
ajudando na confecção do presente, coloquei tudo dentro de uma sacola, e, rumei
para casa, rezando para que ninguém me visse ao entrar, pois, pretendia
esconder tudo dentro de meu guarda-roupa. Minhas preces foram ouvidas e tudo
correu como eu havia planejado.
Dois dias depois seria véspera de Natal, e, toda
família iria assistir a Missa do Galo, teria de achar uma forma de colocar o
brinquedo perto do sapatinho de minha irmãzinha sem que ninguém percebesse.
Chegou o dia, mas antes de partirmos, mamãe como
sempre, arrastou uma mesinha, para perto de uma janela, cobriu com uma toalha
bordada, e, colocou em cima dela um lindo bolo que havia feito a tarde; era
para matar a fome do velhinho Noel, quando passasse por nossa casa.
Como em todos os Natais anteriores, colocamos nossos
sapatos no parapeito da janela, para que ele ali depositasse algum presente.
Voltamos da missa muito tarde, fomos para cama assim
que chegamos, pois, este seria o primeiro Natal que não teríamos a ceia.
Esperei acordada até que todos dormissem, e, me levantei pé ante pé, peguei a
sacola, e rumei para a sala a fim de montar os cômodos que havia criado para a
pequenina. Estava tão entretida que não percebi a chegada de minha mãe, que
também vinha colocar alguns pequenos presentes para seus filhos; quando me viu,
compreendeu imediatamente o que estava acontecendo e acabou me ajudando na
montagem da casinha.
Ao final do serviço, nos levantamos, ficando por
alguns momentos paradas uma frente a outra somente nos encarando, quando, sem
mais nem menos, ela me abraçou emocionada. Pairava no ar uma onda mágica de
amor e carinho. Não precisou que disséssemos nada, nem ao menos uma palavra, pois
nossos olhares diziam tudo que estávamos sentindo.
Meu coração transbordava de alegria, fui para cama
dormir, ansiosa para que logo chegasse o amanhã, queria ver a reação da
pequerrucha quando visse os presentes que Noel havia deixado.
A minha expectativa era tão grande, que acabei levantando
antes de todos, em baixo dos meus sapatos, encontrei um almanaque Tico-tico
(Publicação destinada a crianças), e fiquei muito contente, pois adorava essa revista.
Próximo ao sapatinho de meus irmãozinhos, dois
carrinhos os aguardavam, não eram iguais aos antigos presentes que estavam
acostumados a ganhar, mas já era alguma coisa. Olhei para o chão onde havíamos
colocado o presente que eu havia conseguido e vi também uma pequena boneca, que
certamente vai completar os cenários que criei.
Mamãe acordou e foi para a cozinha preparar o café
para a família, me desejou Feliz Natal. Fui agradecer o presente recebido, mas,
ela me encarou com os olhos rasos de água e disse: - filha eu é que tenho de
agradecer a Deus por ter me dado você.
Fiquei sem saber o que falar; sentei-me a mesa e
comecei a tomar o meu lanche. As palavras de mamãe ficaram ribombando dentro de
minha cabeça, porque será que ela havia dito aquilo? (Hoje consigo entender,
mas, na época foi um mistério para mim).
Papai acordou e se juntou a nós, me deu um beijo e também
desejou Feliz Natal. Meus irmãos também despertaram, e, rapidamente foram até a
janela para pegar o seu presente, chegaram à cozinha, felizes, carregando nas
mãos os carrinhos que Noel havia deixado.
Mamãe me avisou que iria trocar a minha irmãzinha para
que pudesse vir receber os presentes que Papai Noel havia deixado.
A minha aflição era muito grande, queria ver logo, qual
seria a sua reação frente ao regalo que eu criei. Sentei-me em uma poltrona que
ficava próxima a janela, e esperei a chegada dela.
Jamais vou esquecer a sua expressão de espanto e
alegria. Seu rostinho se iluminou e um largo sorriso apareceu contaminando de
felicidade todo o ambiente a sua volta. Ficou tão encantada, que, demorou em
colocar as mãozinhas, nos móveis que montavam a sala, o quarto e a cozinha.
Primeiro pegou uma espreguiçadeira que ficava em baixo de um guarda sol, que
fazia parte do quintal da pequena casa e correu a mostrar para a mamãe.
A felicidade que consegui dar a este pequenino ser,
retornou a mim multiplicada em milhões de vezes. Nunca havia sentido nada
igual. Só sei que com este meu gesto, o Natal que se prenunciava, triste e
sombrio, acabou se transformando no melhor que tive em toda minha vida.
Adorei ver a fisionomia de papai e mamãe, um pouco
mais desanuviada, pois, o dia que tanto os preocupava acabou sendo muito alegre
e feliz, o Espírito Natalino acabou tomando conta de todos nós.
Fazer o bem enche os nossos corações de paz e
harmonia, e, traz muitas vezes mais alegria a quem dá, do a quem recebe.
A autora: - Maria
(Nilza) de Campos Lepre.
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